13 julho 2011

O Sistema

  2302 AD, Terra

  Junto com o novo século veio a esperança de imortalidade para a humanidade, não a metafísica nem as formas poéticas de eternidade, mas a possibilidade de um ser racional viver para sempre, literalmente, ver com os próprios olhos os últimos segundos do universo, seja lá quando ele terminar.
  A ideia já era comum, na ficção e na ciência, mas a instrumentabilidade da vida eterna chegou cedo demais, foi mais rápida que a colonização espacial e os sonhos de inteligencia artificial, em poucas décadas surgiu o problema, se ninguém mais morrer como vamos fazer?
  No início se discutia sobre os recursos para manter uma sociedade onde todos eram imortais, mas antes dos recursos se tornarem um problema a parte do todos imortais foi um problema, tornar uma pessoa imortal era custoso e demorado, não foi possível do dia para a noite abolir a morte, e uma vez que a morte chegava não havia volta.
  Cada nação foi resolvendo esta questão da sua própria maneira, em particular os que primeiro chegaram a imortalidade foram os responsáveis pelo Sistema.
  A descoberta da eternidade não foi uma pesquisa focada com este objetivo, mas um efeito observado no tratamento médico, desta forma muitos dos supostos descobridores morreram antes de sua implementação, pois bem, no final da década de 2340 havia muita comoção sobre quem deveria morrer e quem ficaria vagando na Terra para sempre, como forma de ganhar tempo chegou-se ao consenso que os primeiros a serem contemplados com a eternidade deveriam ser os sujeitos que a tornaram possível.
 Alguns poucos descobridores mortos foram congelados, enquanto outros tinham parte de suas personalidades registradas eletronicamente, a ideia seria trazer de volta esse pessoal, desta forma se ganharia tempo para a tecnologia conseguir resolver os problemas da imortalidade para todos assim como a ideia de que era possível fazer um sujeito voltar a vida mesmo morto supostamente acalmaria os revoltosos, mas não funcionou...
 Já era difícil fazer um sujeito não morrer, trazer algum de volta depois da morte ou a partir de registros precários era impossível na época, mas se tentou fazer isso mesmo assim. No ano de 2352 se deu início a guerra, não mundial como as do milênio passado, mas internas e envolvendo as nações mais poderosas, a guerra em si teve motivos nebulosos, parte ideológica quando se discutia se era correto viver para sempre neste mundo ou não, parte maquiavélica quando se chegava a conclusão que o mundo precisaria de mais espaço nos próximos anos.
 Durante os anos de guerra o projeto de reviver os descobridores mortos foi concluído, mas o resultado foi algo bem longe de um ser humano, como era necessária a apresentação de uma experiência de sucesso a criatura imortal era um conjunto de retalhos de memórias de vários dos tais descobridores com uma interface que fazia parecer que todos os envolvidos de fato haviam revivido, depois da guerra a ideia era encostar a coisa num canto e nunca mais lembrar dela mas a informação vazou e a solução foi terrível, a criatura foi então usada para se consultar qual seria a prioridade para a imortalidade, desta forma se comprovaria a capacidade intelectual dos supostos descobridores.
 A coisa toda parecia funcionar, até bem demais, no início, os resultados que a criatura gerava eram bastante satisfatórios, o que de certa forma impressionou até os criadores, a coisa deu tão certo que os próprios criadores acabaram acreditando nas próprias mentiras que venderam, a criatura foi então batizada de Sistema e ela praticamente implementou a imortalidade para todos.
 Depois do grande sucesso do Sistema a utilidade dele como instrumento de pesquisa e juiz de quem é imortal foi superado, finalmente o Sistema poderia se aposentar e dedicar mais tempo para ser ele mesmo, aí começaram os problemas.
 O Sistema não era uma pessoa, e a identidade dele se resumia quase que completamente aquilo que ele deveria apresentar ao público, ou seja, sua funcionalidade, quando ele não se tornou mais útil o Sistema ficou maluco, só que seus criadores ou não perceberam isso ou temiam que os conflitos da época da guerra voltassem a tona.
 Como o Sistema era imortal os problemas não iam sumir com o tempo, a história do que exatamente ocorreu a partir do século 2400 em diante é nebulosa, pois os agentes que de fato sabiam do que estava ocorrendo eram poucos. Mas o que se sabe é que nenhum dos criadores envolvidos com o Sistema sobreviveu até 2450, eles morreram numa acidente em uma viagem para a Lua, alguns dizem que eles foram então incorporados ao Sistema (o sistema de sobrevivencia pifou e os corpos foram congelados no espaço) mas não há como ter certeza. O Sistema então começou a agir com grande independência, e escolheu seguir com as pesquisas da imortalidade focando agora na expansão e colonização espacial. Na Terra as últimas informações registradas do Sistema é que ele sofreu um acidente com testes de motores de dobra, ele não foi destruído no teste, mas nunca mais retornou a Terra nem a nenhum planeta colonizado pelos humanos até o ano de 43708, o último ano que se tem registro de um ser humano vivo na região da Terra, o que aconteceu nesse ano é um assunto controverso, que será tratado em algum outro momento, e que, já adiantando, pouco tem em relação ao Sistema.

Um comentário: