15 julho 2011

Bem vindo a Altamira

 Este é o primeiro diálogo entre Tobias e George, Tobias Cooper é sobrinho de um rico arquimago de Altamira, Michael Cooper, que paga grandes quantias para os magos que consigam reviver membros de sua família. George é um aprendiz de mago que trabalha no setor de cura e criação da cidade de Altamira, em geral George faz a triagem das pessoas e as despacha para as demais cidades do mundo, mas hoje ele esta recebendo um extra para servir de guia de Tobias.
 Tobias no dia anterior acordou vestindo roupas brancas de hospital e falou com varias pessoas desconhecidas, suas últimas lembranças eram de estar internado com seus 19 anos depois de sofrer um atropelamento quando andava de bicicleta num final de semana, os médicos já não tinham muitas esperanças... Apesar disso ele agora esta vivo, e aparentemente se sentindo muito bem. No primeiro dia só perguntaram seu nome e checaram algumas informações, sem dar nenhuma explicação mais elaborada o sedaram, no outro dia ele acorda numa sala sem janelas e com uma luz fosca vindo do teto, na sala somente duas cadeiras bastante confortáveis, depois de alguns minutos acordado chega George, um sujeito vestindo um tipo de sobretudo acinzentado, e se apresenta:

- Ola senhor Tobias! Como esta se sentindo hoje? Meu nome é George... (cumprimentando Tobias)
- Ola! Cara, preciso pagar muito bem esse hospital, to me sentindo ótimo hoje, uns dias atras eu tava a beira da morte...
- Bom, você deve ter morrido, mas não se preocupe com isso agora.
- Nossa, eu fui pro céu?
- Vocês sempre perguntam a mesma coisa... mas não, e também não é o inferno, pelo menos não para você.
- Como é que é?
- É o seguinte, você morreu e nós o revivemos usando uma tecnologia muito avançada, não é bem tecnologia mas não importa agora, você viajou para o futuro.
- Você ta me zoando?
- Não; lembra do seu tio Michael, pois é, ele pagou uma nota para trazer você de volta, e vai te sustentar aqui nessa cidade para o resto da sua vida, você é um sujeito de sorte.
- Não preciso trabalhar?
- Quase ninguém mais precisa, não nessa cidade, pelo menos não como era na sua época.
- Cara, eu acho que eu consigo gostar daqui, que ano estamos? 10.000?
- Não, ninguém sabe ao certo, mas provavelmente muito mais, pelo menos uns 200.000 anos eu diria, mas não tenho como saber.
- Onde estamos?
- Na cidade de Altamira...
- Altamira, isso é na costa oeste?
- Não estamos na América...
- Mas você fala inglês...
- Por acaso falo, mas aqui todos se entendem, que ano você morreu?
- 2007 acho...
- Então, vamos por partes, você não esta na Terra, aqui é um outro planeta, chamamos de Gates, e as pessoas vem de diversos locais, diversas épocas, e até de diversas dimensões, provavelmente a América onde eu não nasci era bem diferente da sua.
- Outra dimensão, cara, que viagem...
- Vamos ver, em que ano terminou a segunda guerra mundial para você?
- Guerra mundial, que porcaria é essa?
- Você não foi na escola? Na Terra a guerra terminou em 1951, mas é raro encontrar gente de onde eu vim...
- Lógico que fui na escola, eu era muito nerd, tinha disso de onde você veio?
- Sim...
- Os Estados Unidos da América não se envolveu em nenhuma guerra desde 1899, todo mundo sabe disso, somos a nação mais pacífica do mundo.
- Certo... Pois é, alguns magos conseguem criar versões restritas da realidade, a minha realidade é uma versão também, ninguém sabe ao certo qual delas foi a original.
- Que loucura cara, então posso encontrar um clone meu andando por ai?
- Não seria exatamente um clone, mas sim, entretanto as chances disso acontecer são bem pequenas.
- Cara, quem ta vivo aqui além do meu tio, alias, é meu tio mesmo?
- Sim, com certeza vocês são da mesma dimensão...
- E meus pais?
- Espera um pouco (George tirando do sobretudo algo parecido com um notebook, ele nem digita nada, só observa um monitor flutuante e translucido e já sai falando), vamos ver... não, só seu tio e alguns parentes distantes por enquanto...
- Como faço para trazer meus pais de volta, e meus amigos?
- Vá com calma, isso leva tempo, mas pode ficar tranquilo, você tem a eternidade para procurar se quiser.
- Como é que é?
- Ninguém mais morre aqui, não por idade, se você ficar longe de encrenca vai viver para sempre, e sempre jovem.
- Como é que é, vou viver pra sempre, preciso tomar sangue pra isso ou coisa assim?
- Claro que não.
- Como é isso então? Você falou de magos não é?
- Sim, a imortalidade é provida pela cidade para todos via tecnologia pura, a parte de regular a idade também, a parte de trazer alguém de volta a vida é feita por magia, pelo menos por enquanto, mas daqui a algum tempo podemos resolver esse problema também.
- Qual é a diferença de magia e tecnologia então?
- Tecnologia nós sabemos como funciona...
- Então vocês usam magia sem saber o que é? Precisa de varinha mágica ou coisa assim?
- Não é bem isso... Seu tio pode lhe explicar melhor, digamos que magia é uma coisa nativa deste lugar onde estamos agora, nós a aprendemos, ela provavelmente foi desenvolvida por outros que não conhecemos, quando chegamos aqui ela já existia e nós aprendemos como usar, só isso, mas não conseguimos explicar de maneira razoável como ela funciona...
- Não entendi muito bem esse esquema ai, tecnologia não era 100% também, tipo, nunca entendi porque a gravidade era da forma que me ensinaram na escola...
- É a mesma coisa, digamos que o que eu chamo de tecnologia nós descobrimos observando a natureza, e magia é um conjunto de poderes que já estavam aqui quando chegamos, não da para traçar o caminho de volta do conhecimento, pelo menos não até o momento...
- Certo...
- Olha, eu disse para você ficar longe de encrenca, magia pode ser categorizado como encrenca, então vai com calma...
- Mas espera ai, você é um mago não?
- Sou, mas diferente do seu tio eu quase não consigo me manter aqui nessa cidade, financeiramente...
- Então você tem de trabalhar, tá servindo de babá para mim porque meu tio deve ta cheio de coisas para fazer, é isso?
- Pode-se dizer que sim, mas como disse, o custo de vida de um mago e bem mais alto que de uma pessoa comum...
- Espera um pouco, como assim?
- Esse mundo não e um mar de rosas para todo mundo, qualquer um que tem magia atrai monstros e coisas similares, então são poucos os magos permitidos de viver em Altamira, eu mesmo estou pensando em me mudar daqui uns anos para um local com menor custo de vida...
- Você ta de brincadeira, isso é uma pegadinha? Estamos vivendo num anime então?
- Não, anime não é coisa da minha época, eu morri na década de 70, veja você mesmo a cidade (George se levanta e abre o que parece ser uma janela na parede, do lado de fora, uma imensa metrópole de luzes até onde o olho pode ver, e a linha do horizonte alargada como se fosse um quadro surrealista que brinca com perspectivas).
- Shooooow!
- Essa é a cidade de Altamira, nesse mundo existem duas grandes cidades, Altamira e Nova Altamira, nestas cidades podemos viver de forma civilizada, fora delas a vida é bastante complicada...
- Não temos recursos para manter todo mundo aqui?
- Temos, os problemas são outros, em Altamira mora apenas quem tem muita grana, geralmente familiares e amigos dos chefes desse mundo, seu tio é um deles...
- Isso não parece bom...
- Já foi pior, eu particularmente prefiro viver em Nova Altamira atualmente, o custo de vida e bem reduzido e não há mais perigo de monstros atacando nem nada disso.
- Vamos ver se entendi, este é o local mais seguro do mundo e vive aqui quem tem grana, certo? O pessoal que vive fora daqui é pobre e tem de ralar e correr perigo pra sobrevier.
- É mais complicado...
- Sei... sempre é mais complicado, como se ganha grana aqui, que tipo de trabalho existe?
- Trabalhos não são comuns, você não precisa se preocupar com isso...
- Então é tipo uma monarquia, eu nasci na família certa então to de boa, você nasceu na errada se ferrou?
- Quase isso... A diferença é que os chefes de fato construíram essa cidade com as próprias mãos e alguns deram as próprias vidas defendendo o local, seu tio é um deles, ele não vai para o combate mas trabalhou milênios como mago provendo material e mantimentos para bilhões de pessoas, agora ele esta reconstruindo sua própria vida como era no passado, não vá condenando o sujeito até você saber exatamente como as coisas funcionam.
- OK, mesmo assim, não parece muito bom...
- As coisas mudam, a muito pouco tempo atras nós lutávamos para sobreviver todo dia, em alguns momentos não sabíamos sequer se a civilização sobreviveria, somente agora estamos tendo tempo para consertar as coisas, e é tudo muito complicado, veja Tobias, eu te disse que temos pessoas de todas as nações, épocas e realidades diferentes, imagine a dificuldade em se chegar a algum consenso, principalmente quando a maioria passou por grandes períodos de crise.
- ...
- Tem mais alguma pergunta, eu ainda tenho mais meia hora pra falar com você...
- Vai fazer o que depois daqui?
- Isso realmente importa?
- Cara, não faço ideia, é tudo muito doido para mim, o que você quer que eu pergunte?
- Desculpa, é que eu não costuma me afeiçoar muito com meus entrevistados, depois daqui ficarei mais 5 horas fazendo triagem das pessoas revividas, em geral demora meia hora por pessoa...
- Triagem, você trabalha num hospital?
- Sim, mas não com doentes, eu faço a triagem de pessoas que são revividas.
- Vocês só revivem os que pagam?
- Não, revivemos todo mundo que conseguimos...
- Mas porque? E cabe todo mundo?
- Sim, esse local e enorme, mesmo se revivermos todo mundo não cobriremos nem um milésimo do platô que engloba Altamira e Nova Altamira. E revivemos todos pois nós prezamos pela vida de todas as criaturas racionais que já pisaram na face desse universo, seja la quem eles forem.
- Peraí, você tá falando sério, vivemos numa porcaria de uma monarquia e você esta me dizendo que revivem as pessoas por motivos humanitários? Isso não faz o menor sentido.
- Ha! Você nasceu numa América que não entrou em guerra por mais de 100 anos e vem julgar que este local não faz o menor sentido, espere um pouco. Os motivos para reviver são estes mesmos, ideais defendidos pelos fundadores desta civilização, e não é muito difícil concordar com eles se você pensar melhor, veja bem, nós não morremos mais, nunca mais, em breve você vai estar se lembrando de seus familiares e amigos, depois vai começar a pensar nas pessoas que viviam na sua época, depois no que aconteceu no futuro depois da sua morte, e depois em reviver personalidades do passado que admira...
- Calma, acabei de chegar né...
- OK, como disse, eu não tenho muita paciência com as pessoas, mas vamos continuar...
- Você disse que faz a triagem, para que isso?
- Eu catalogo as pessoas, existe um sistema enorme de dados de todo mundo que revivemos, tentamos classificar por realidades, depois por épocas e localidades, e finalmente em núcleos de conhecidos e famílias. Mas meu serviço é tedioso, não posso me apegar com as pessoas que chegam a mim, você é uma exceção.
- Porque os caras são mandados para fora da cidade?
- Precisamente, hoje em dia não é um problema, mas antigamente, era praticamente uma sentença de morte, em alguns casos...
- Bacana, vocês reviviam o sujeito e mandavam ele para a morte certa.
- Não, mas algumas pessoas desenvolvem poderes ao chegar, a maioria delas tem alguma coisa, não magia, mas outras coisas... Infelizmente se colocássemos todo mundo num mesmo lugar todos morreriam, ainda hoje é perigoso, mas bem menos que no passado, então espalhar é uma necessidade. As pessoas vivem nas cidades e postos periféricos por anos, depois de juntar um dinheiro vão para Nova Altamira e ficam la para sempre, essa é a minha história pelo menos, estou na estrada a mais de 3.000 anos, mas escolhi magia a menos de 100 anos para seguir porque queria conhecer Altamira, consegui chegar até aqui mas cheguei a conclusão que a vida em Nova Altamira é mais interessante, estou planejando voltar para la como lhe disse.
- Então se meu tio não fosse milionário eu teria de trampar por 3000 anos para chegar até aqui?
- Provavelmente.
- Menos mal, pelo menos é possível se esforçar para chegar em algum lugar...
- É verdade, mas a maior parte das pessoas fica muito feliz dentro de seus cubos...
- Cubos?
- Sim, a cidade provê um local para você viver, seja la onde for no mundo, cada sala possui um cubo mágico e...
- Eu já tava começando a fazer sentido disso tudo...
- Bom... Enfim... Esse cubo materializa ou projeta holograficamente qualquer coisa que você precise, as versões mais baratas são tecnológicas, outras tem algo a mais, mas perceba, você pode viver uma eternidade numa ilusão perfeita como se fosse um Deus, só saindo para socializar, existe a opção de viver em conjunto com amigos e família num mesmo cubo, seu tio deve propor isso para você algum dia...
- Cara, nada contra meu tio mas to achando esquema arrumar algum trabalho em algum outro lugar, só para garantir...
- Vamos com calma, não precisa se preocupar com isso agora, depois que você começar a usar esses cubos vai precisar de uma grande força de vontade para fazer qualquer outra coisa... Mesmo porque pode fazer de tudo la dentro.
- Valeu por avisar cara.
- Mas não é como uma droga, os cubos não costumam viciar, é interessante, depois de algum tempo você começa a sentir necessidade de se sociabilizar com alguma coisa que não seja uma materialização de sua imaginação...
- OK... mas esses cubos são privados né?
- Sim, é garantida a privacidade total dentro deles, mas tudo lá dentro é uma construção da sua imaginação, não tem nada externo independente, a não ser que você permita a entrada de terceiros...
- Então eu não posso imaginar uma pessoa lá dentro, não com inteligência própria?
- Existem restrições, você pode colocar uma IA no seu cubo para tomar conta de um androide, mas não uma IA autônoma, IAs autônomas tem os mesmos direitos que você, inclusive, algumas vivem em seus próprios cubos...
- Que doideira...
- Meu chefe é uma IA autônoma, e nós só nos entendemos porque exitem nanobots espalhados nos nossos cérebros que captam nossa fala e audição e uma IA semi-autônoma da cidade faz o serviço de tradução.
- Peraí, mas você não é americano?
- Sou, mas somos de realidades diferentes, ou dimensões, nosso inglês deve ser bem diferente imagino, alias, as línguas naturais são um dos critérios para fazer a triagem.
- Mas como funciona isso, não da para traduzir com essa perfeição coisas no computador, pelo menos não na minha época?
- A IA entende o que você fala realmente, e repassa as conversas quase que instantaneamente, não é um processo completamente mecânico, ele envolve interpretação e alguma inteligência real, não sei como especificar isso exatamente, mas você pode perguntar para um tecnólogo que ele lhe explicará os detalhes, aqui temos o equivalente a internet também, eu morri quando ela ainda era um projeto militar mas já me atualizei nesses últimos 3.000 anos.
- Mas essa IA tem como desligar?
- Tem, mas relaxa, ela não registra as traduções; é sério, o pessoal foi paranoico o suficiente. E tem mais, as IAs que traduzem fazem revezamento todo ano, esse é um dos serviços mais bem pagos da cidade, como exige uma certa independência na interpretação não da para automatizar o negócio.
- Desliga um pouco essa IA aí e deixa eu ouvir sua voz.
- Ok, vou desligar a de nós dois agora por um momento... Bago U wufanom a I pikom?
- Dude, this is not English...
- Certo, não entendi nada do que você me disse... Eu te perguntei se você me entendia.
- Eu falei que não era inglês, mas não entendi nada...
- Bom Tobias, já deu a meia hora quase, vou te explicar agora rapidinho como os cubos funcionam, vou te dar o link do seu tio e outras coisas básicas sobre a cidade, vou deixar aqui meu link também mas acredito que você se vira depois de te explicar como acessa a internet, em todo caso, se precisar é só marcar horário que eu apareço, OK?
- Tá certo... George né?
- Sim, vamos la, isso aqui é um cubo, a frente dele é o materializador, esse seu cubo aqui é pra valer, a maioria das pessoas usa um que só projeta coisas, sinceramente, não faz muita diferença, a não ser que você pode levar para rua algumas coisas. A direita esta a interface de internet, é um pouco diferente de um computador pois quase ninguém usa teclado, só falar consigo mesmo mentalmente que as palavras aparecem, se você treinar vai ver que é muito mais rápido assim, mas se você gosta do estilo antigo e só mover os dedos como se quisesse digitar, assim, viu, pronto, uma interface similar a que você deve estar habituado. A parte esquerda invoca um android de ajuda, veja, este esta configurado como um papagaio.. tosco, você pode mudar para qualquer coisa, só não coloca nada muito pornográfico aqui que qualquer um que você convide para usar seu cubo pode eventualmente ver o que você colocou, em cima é para serviços, como comida, comunicação direta, entre outras coisas, e em baixo é para configurar a mobília da casa, decoração dos quartos, e tudo o mais, atras entra nos menus opcionais, vou passar rapidinho pelo que achei mais útil, mas o helper pode te explicar melhor essas partes...

 E assim Tobias chegou a Gates e viveu feliz para todo o sempre dentro de seu cubo... ou não.

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